Denílson diz que vaidade na TV é maior do que no futebol: “Você consegue enxergar a trairagem”
O riso e o choro fáceis fazem parte da construção de Denílson. O jogador ousado dentro de campo aos poucos deu espaço ao irreverente comentarista de futebol na televisão.
O caminho do sucesso nas duas profissões não foi fácil: entre deixar a periferia de Diadema, ganhar espaço no badalado time do
São Paulo
até se tornar a venda mais cara do futebol mundial por muitos anos e se reinventar na crônica esportiva, muitas lições o marcaram.
– Nunca pensei que com 19 anos seria o jogador mais caro do mundo. Quando vem a proposta do Betis, primeiro veio a do Barcelona, a única pergunta que fiz para o meu empresário foi: “o que me correspondia daria para comprar uma casa para meu pai e minha mãe?”. Só isso. Pô, dá pra comprar 20 casas. E que eles fiquem confortáveis para falar: “acabaram os negócios de empregada doméstica e trabalho”. Acabou, agora é comigo.
No meio do trajeto, a ilusão de um jovem deslumbrado pelo dinheiro e pela fama. A bronca do pai é lembrada até hoje e tira lágrimas do rosto marcado pelo bom humor.
– Empolguei. Quando ouço do meu pai: “cadê meu filho?”, aquilo foi muito pesado. Porque o meu pai estava vendo um comportamento do filho que não condizia com os valores que ele tinha passado ao longo daqueles anos.
Esse não é meu filho, eu quero meu filho de volta. Isso teve um peso muito grande, porque sou de periferia, cresci no meio do nada.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Mais do Abre Aspas:
+ Da saidinha à Seleção, Diniz repassa carreira e combate rótulos
+ Oswaldo de Oliveira faz bico de ator e lamenta ausência do futebol
+ Sampaoli diz que futebol é seu vício e explica distância de redes
Uma das poucas mágoas da carreira e da vida de Denílson é justamente uma tentativa de retorno ao São Paulo, no fim de 2007. Buscando recuperar a forma física, ele teve o pedido para ficar no clube negado pelo então diretor João Paulo de Jesus Lopes.
Foi a partir dessa recusa que ele descobriu uma nova paixão: o
Palmeiras
. O vizinho de muro abriu as portas para o astro, campeão paulista pelo Verdão em 2008.
– Treinei dois dias. No segundo dia, o Sassaki, que era o fisioterapeuta, falou: “você precisa pedir autorização para o João Paulo de Jesus Lopes para ficar”. Você acha que fui lá contando com o não? Fui só para seguir um protocolo. Ele disse: “nesse momento não dá, Denilson”. Não tinha nada a argumentar. Você tem que ver como é que foi foda. E aí, volto para casa, conto a mesma cena para meu pai e minha mãe. Lágrimas nos olhos dos meus pais. Uma puta sacanagem. Um cara, sabe? Hoje falo um cara, mas na época eu fiquei puto com o São Paulo de um modo geral. Sacanagem – relembrou Denílson.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
A incerteza da aposentadoria no futebol trouxe a possibilidade de uma nova carreira, de seguir fazendo sucesso e ganhando dinheiro. Atualmente com 47 anos, Denílson há 15 é comentarista. Desde o inicio de 2025, faz parte do time do Esporte da Globo.
No comparativo entre as duas carreiras, Denílson disse que se decepcionou com algumas pessoas que conheceu e admite que é mais difícil administrar o ego na televisão do que em um vestiário.
– Na televisão tem muito mais vaidade e é muito mais aflorado do que no futebol. Na televisão, você consegue enxergar a trairagem, a vaidade. A pessoa não esconde isso, ela deixa aflorar isso nela. Isso me deixou bastante assustado na televisão, nesse meio da comunicação.
No futebol existe vaidade, trairagem, mas muitas vezes você não consegue perceber isso, não consegue notar. Na televisão é muito escancarado.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
A vida de Denílson sempre esteve ligada ao entretenimento, mesmo que de maneira indireta. Casado há 15 anos com Luciele, irmã dos astros da música sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, o ex-jogador também se envolveu em polêmica com a compra do Soweto na década de 1990, quando o cantor Belo deixou o grupo de pagode e iniciou uma batalha judicial que durou mais de duas décadas.
– Sou apaixonado pelo segmento, então foi uma parada querendo. Eu não estava entrando no escuro, sabia que poderia dar um dinheiro. E aí vem o lado do compromisso profissional, uma questão burocrática, que é a saída do Belo. Quer sair? Então tá bom, vamos para a questão burocrática. Existe uma multa rescisória. Se eu resolvesse quebrar esse contrato, teria que pagar alguma coisa para eles. E se alguém do grupo quebrasse o contrato, teria que pagar para mim. É simples. Não tinha segredo o contrato.
– Imagina se fosse a minha fonte de renda. Eu estava morto, a verdade é essa, 22 anos pendente de uma parada do meu direito. E no ano passado a gente resolveu essa situação. Chega a ser irônico, engraçado, porque fiquei 20 anos sem falar com o cara. E numa ligação parece que estava falando com o cara a vida toda. Porque ele é bom de lábia, né? O filho da puta é bom de lábia, o bicho vende vaga no céu – disse Denílson.
De vez em quando a gente troca umas mensagens, umas curtidas, a gente se fala. O negócio chega a ser irônico. E o Brasil adorava, né? Desculpa, Brasil, acabou a piada.
Em pouco mais de uma hora de entrevista ao
Abre Aspas
no seu escritório em São Paulo, Denilson também comentou o golpe milionário causado pelo seu antigo empresário, como é ser pai e a sua opinião sobre o papel dos jogadores no atual momento da Seleção.
O que mais te deu prazer: jogar ou comentar futebol?
– São completamente distintas as emoções. O futebol foi a minha vida, tudo que vivo hoje, como comunicador, foi o futebol que me proporcionou. Foi o futebol que me deu toda essa oportunidade de falar sobre futebol, comentar futebol, ter programa de esporte. A responsabilidade é muito parecida, porque cresci dependendo de alguém. A minha essência é depender de alguém, porque o futebol é coletivo. Sempre precisei de você, você sempre precisou de mim, então vamos atrás do objetivo. E eu trouxe essa essência para a comunicação.
– A emoção do futebol é muito maior do que a emoção de trabalhar na televisão, isso é fato. Porque tem ali toda uma atmosfera dentro do campo, uma cobrança do torcedor, uma vaia, um incentivo. A adrenalina de estar dentro do campo, uma disputa de bola, mexe muito com as nossas emoções. A televisão não tem tanta emoção. A responsabilidade da informação é muito complicada, porque tudo que a gente fala tem um peso, para o bem ou para o mal. Então essa responsabilidade eu acho que é muito parecida com o futebol.
Os ex-jogadores ganharam espaço na televisão justamente por terem uma empatia maior?
– Eu sou bem suspeito para falar sobre essa relação ex-jogador, comentarista e jornalista. Porque desde o primeiro momento, em 2010, quando comecei a fazer essa função de comentarista esportivo, me apoiei muito nos jornalistas. Fui aprendendo a me comunicar, porque houve um momento de dúvida. De falar, putz, como é que eu vou falar de algo que eu pratiquei durante 16 anos? Não é tão simples. Como é que eu vou contar essa história? Qual vai ser a minha narrativa do que eu vivi como jogador? Eu tinha que olhar para o lado e ver um jornalista, observar a forma que ele se comunicava, da forma que ele passava a informação.
– Sempre tive uma relação muito bacana com os jornalistas, pode ser que outros ex-jogadores não tenham a mesma visão que eu, ou não duraram na profissão como comentarista esportivo pós-carreira, porque, de repente, existe essa vaidade do cara que jogou bola. E você olhar para o lado e falar: “poxa, você está falando o quê, né? Eu joguei, você não jogou. Então, pode criar ali um desconforto muito grande. Eu nunca fui esse cara.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
A Renata Fan é sua amiga?
– Ela é minha parceira. Eu falo de boca cheia que tudo que eu sei hoje como comunicador ela teve um grande peso nesse meu amadurecimento ao longo dos anos. São três pessoas que me ajudaram muito nesse processo de comunicador. O Milton Neves, que foi o cara que me encorajou a ser o que eu sou como comunicador, o Nivaldo Prieto, que foi o meu primeiro companheiro de transmissão de jogos, me corrigia escrevendo no meu caderno porque tinha falado alguma pronúncia errada, até um vício de linguagem. E a Renata, que foi a minha companheira durante quase 13 anos de segunda a sexta. É muito tempo trabalhando com uma pessoa, a gente praticamente nunca teve nenhum desentendimento porque sempre respeitei o espaço dela, ela sempre respeitou o meu.
– No final, os dois acabaram se entendendo muito bem. O que eu sou hoje, falo para todo mundo, devo muito à Renata.
Na reta final da sua carreira bateu o desespero de não saber o que fazer depois de parar de jogar?
– A comunicação veio por acaso. Óbvio que quando veio o primeiro pensamento de parar de jogar futebol, também veio a insegurança, o que eu vou fazer? Só que aí eu tentei continuar jogando futebol. Tive um problema no joelho direito muito sério. Aí você entra num quarto escuro e fala: “o que faço da vida agora?”. Joguei bola a minha vida toda e não consigo enxergar além disso. Então é um processo bem doloroso, porque antigamente a gente ia até 35 anos, no máximo. Hoje a gente vê o Nenê, no Juventude, jogando com 42, 43 anos. O cara que chega com 35 anos hoje tem esse privilégio de jogar mais três, quatro anos. Ele já está pensando num pós-carreira. Eu não, minha carreira foi abreviada.
– Na minha cabeça eu jogaria até 35, 36 e aí sim ia pensar. Eu venho de uma geração que não tinha tanta informação como tem hoje. Às vezes o jogador era meio acomodado nesse sentido de buscar o interesse e a informação. Hoje você está na concentração e consegue saber tudo o que está acontecendo, a gente fala muito de depressão, é uma coisa que está aflorada. Na nossa época, se a gente falasse sobre depressão, era fragilidade. Acho que eu cairia numa depressão, porque esses meus sentimentos são muito aflorados, em todos os sentidos.
Dentro da sua construção como comentarista, acha que teve dedo do Milton Neves ser um pouquinho antagonista do Corinthians?
– Não, é algo natural, porque tenho muito amigo corintiano. Isso ficou aflorado porque fui campeão em cima do Corinthians no Paulista em 1998, e foi meu último jogo no Morumbi. Todas as vezes que estava com meus amigos corintianos ou torcedor no modo geral, num restaurante, numa balada, num pagode, os caras sempre vêm e falam: “pá, me fodeu em 98”. O que sou no ar, o que você me vê fazendo no ar, sou no meu dia a dia. Não criei uma situação ou um personagem.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Foi difícil a caminhada entre o sonho de ser jogador de futebol até se tornar o jogador mais caro do mundo?
– Fazendo uma retrospectiva, comecei a ter responsabilidade de olhar para a frente no meu pós-carreira quando os meus filhos nasceram. Minhas escolhas vão ter uma consequência na vida dos meus filhos. E aí você começa a olhar para a frente. No período como atleta, nunca olhei para a frente, sempre olhei para o hoje. Eu sempre fiz o meu melhor hoje e, consequentemente, as coisas foram acontecendo, fui aproveitando.
– Acho que tenho mérito no sentido de ser um cara muito observador, sempre prestei muita atenção no que estava acontecendo em minha volta e tentava pegar coisas positivas, porque acho que aquilo vai servir para mim. Aqueles tiros de cem metros que o Ronaldo está fazendo ali, acho que vai servir para mim. Ou aquela fala do Romário, acho que vai servir numa entrevista. Sempre fui prestando atenção nas coisas e acrescentando ao meu cotidiano.
Como foi a bronca que recebeu do seu pai quando se deslumbrou com a fama?
– Comecei a me empolgar, a querer falar em carro, balada, a entrar em restaurante e levantar sem pedir a conta, comecei a entrar em loja e comprar o que queria sem perguntar preço. Cara, cada detalhe, meu pai foi só observando o comportamento no meu do dia a dia, um cara que chegava nos lugares e meio que cativava as pessoas, chegava meio arrogante nos lugares.
– Quando comecei a me deslumbrar com o que estava vivendo, com 18, 19, 20 anos, foi muito importante esse comportamento do meu pai. Ele é um cara muito humilde… Você não vê meu pai falando alto com ninguém, é um cara muito simples. Eu acho que herdei isso do meu pai. Minha mãe é uma pessoa mais explosiva, tem mais personalidade. O meu irmão é assim, minha irmã também é um pouco assim, mas acho que herdei a calma, a humildade do meu pai.
– Vejo muitos jogadores jovens se perdendo porque não tiveram um pai que falou isso. Quando tenho a oportunidade de falar, falo mesmo porque esse caminho já passei. É muito louca a experiência. Eu ouvia de Toninho Cerezo, Cafu, entrava num ouvido e saía pelo outro. Hoje, com 47 anos, você começa a fazer uma retrospectiva e fala: “putz, fazia muito sentido o que os caras falavam na mesa da concentração”.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
E você acha que virou mais comum isso hoje em dia?
– Está pior por causa da informação e da ostentação. Antigamente as pessoas poderiam ter, mas não tinham onde mostrar. Hoje as pessoas têm onde mostrar, que é a rede social. Você ostenta mais, isso incentiva, nessa bolha que é o futebol, o moleque com 18 anos a comprar um carro. Não acho errado, tá? Meu público maior é de periferia. Acho que esses caras que me admiram falam: “putz, o moleque saiu de Diadema, conquistou as paradas dele correndo certo”.
– Quando faço um stories de uma TV que coloquei na minha casa, um carro que consegui trocar… Fiz uma reforma na minha casa agora que planejei durante quase cinco anos. Quando terminei a casa, postei e falei: “se programe, não faça as coisas assim por fazer porque lá na frente você dá o passo maior que a perna e se perde.
O enriquecimento muito rápido de alguns jogadores prejudica o desenvolvimento do futebol deles e até de atuarem em alto nível por mais tempo?
– Isso é muito pessoal. Cara, se eu não tivesse tido a lesão no joelho, eu estaria igual ao Nenê. Era a minha paixão jogar bola. Não estou falando da boca pra fora, não.
Eu não jogava por dinheiro, mano. Você é louco, me divertia para caramba jogando bola, amava jogar bola.
– Recentemente vi um corte desses de Instagram do Alan Patrick falando: “mano, vou sentir saudade”. O Alan Patrick deve ter uns 33 anos. Futebol de alto rendimento é uma delícia, mano. Quando machuquei o joelho, falei: “fodeu, tenho que parar”. Nunca joguei por dinheiro. Nada do que tenho hoje, ninguém me deu. Nada que tenho hoje caiu do céu, tudo que proporciono hoje para os meus não caiu do céu. E falo isso constantemente para os meus filhos para valorizarem as coisas que eles têm. Não dá para educar os filhos hoje do jeito que nossos pais educaram a gente. Chega a ser até injusto da nossa parte querer fazer com que os filhos passem o que a gente passou. O mundo não é mais assim.
– Eu fui vendido por US$ 32 milhões, irmão. Hoje é dinheiro para caramba. Naquela época era muito mais. Hoje você vê hoje os caras sendo vendidos por 70, 80, 100, (milhões) e fala: “pô, 32 não é nada”. Era muito dinheiro. O cara que se deslumbra porque ganhou esse primeiro montante não é completamente apaixonado pelo futebol. Se fosse ele ia querer continuar jogando por paixão, e o dinheiro vai ser a consequência. A hora que ele parar, vai falar: “ganhei dinheiro para caralho, mas me diverti muito fazendo o que amo”. E tem jogadores que se programam para ganhar dinheiro X tempo e depois parar. Tudo bem também.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Muitos jogadores que caminharam contigo ficaram pelo caminho. Esse pessoal te procura?
– O que mais tem são jogadores que não se prepararam, que pararam de jogar cedo e não conquistaram a parte financeira. Outros conquistaram, mas não fazem mais nada, também tem um prazo de validade. Normalmente, cinco anos depois que para de jogar você tem que ter uma renda boa, mas se não conseguir multiplicar uma hora acaba. Temos que falar sobre isso para esses caras que estão vindo. Sempre ouvi do meu pai que dinheiro não leva desaforo, e é verdade. Se puder servir como exemplo de se reinventar e continuar plantando, estou à disposição.
Quando você descobriu que o seu ex-empresário te roubava, bateu a insegurança de ficar sem dinheiro?
– Não, porque, quando meu pai percebeu que a gente estava sendo enganado, eu estava com 22 anos, tinha uma carreira toda pela frente. Agora, se isso me pega com 33, aí com certeza teria pensado isso. Minha revolta foi a confiança. Eu não pensei no que ele tinha levado. Pensei: “puta, mano, confiava em você”. Nunca tive oportunidade de falar olhando nos olhos dele, que era a única coisa que queria. Naquela ocasião ainda não existia essa regra de você ter um contrato de cinco anos no máximo, a gente podia fazer um contrato maior e tinha feito um de 10 anos com o Bétis, que foi algo também que chama muita atenção. Tinha mais oito anos de contrato com o clube e um bom salário, vivia bem.
– Dos 22 até 25 anos praticamente passei pagando conta e pagando o que o cara tinha feito. O presidente Manoel Ruiz de Lopera, que faleceu ano passado, foi um dos caras que me apoiaram. Ele falou que iria resolver e que era para focar em treinar e jogar. E a outra parte foi meu pai, fiquei muito abalado emocionalmente, triste durante um período e ele mais uma vez chegou em mim e falou: “e aí, vamos ficar assim até quando? Volta a jogar bola, só assim a gente vai poder sair dessa”. Mas se me pega com 32 anos estaria quebrado completamente, longe de ter o que tenho hoje. Não só a questão material, financeira, estaria mal das pernas.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Como é a sua relação com o Zezé di Camargo, irmão da sua esposa?
– É maravilhosa. Ele estava em casa recentemente jantando. Eu me vejo muito no Zezé. Já falei isso para ele, até me arrepio. Ele é um cara muito coração. O Zezé fez muito por todos e me identifico nisso, porque eu sempre fiz muito por todos. Vou continuar fazendo muito por todos. Deus me deu essa oportunidade de, enfim, de ter tido o dom de me tornar um jogador profissional, de me comunicar bem, acho que eu me comunico legal. E me vejo muito no Zezé nesse sentido, ele não olha muito para ele, olha para todo mundo que está em volta. Ele ajuda todo mundo que está em volta, porque a satisfação dele é cantar. Igual a minha era jogar futebol, igual a minha hoje é me comunicar.
Como que é o Denílson na versão pai?
– Eu aprendo a ser pai todo dia. É muito difícil ser pai, porque o amor é muito grande, você não quer ver o filho sofrer. Quando vejo a minha filha triste com 14 anos, trancada no quarto, rasga o coração, o meu e da minha esposa. E estou aprendendo a ser pai. Eu tento ser forte, proteger, falar, ensinar, mas vai chegar uma hora que eles vão ter que sair. Não estou preparado pra ver minha filha e meu filho saírem de casa. Mas acho que, quando saírem, minha missão como pai e da minha esposa como mãe, estará cumprida, por mais que me doa.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Família é muito importante pra você, né?
– Sempre foi. Eu sou o cara que vivo para a minha família. Vivi muito pelos meus pais, pelos meus irmãos. Hoje vivo muito para meus filhos, minha esposa, sem deixar meus pais de lado. Sou um puta de um cara privilegiado, porque tenho meu pai e minha mãe vizinhos da minha casa. Ontem mesmo, numa segunda-feira, no meio da tarde, falei: “vou tomar um café com eles, ver a minha irmã, que está passando um momento difícil, vou dar um abraço nela”. Fiquei lá a tarde toda, deitado no colo do meu pai, no colo da minha mãe, com a minha irmã, tirando onda, animando a minha irmã. Ouvi do meu parceiro Péricles uma frase mais ou menos assim: “cara, não tenho mais nada para fazer na rua”. Estou vivendo uma fase na minha vida agora que não vivi nesses 15 anos pós-carreira, porque me dediquei muito a trabalhar, para viver o que estava vivendo.
Falando com o coração também, dá pra amar São Paulo e Palmeiras ao mesmo tempo?
– O São Paulo foi muito importante para mim, me lançou, deu a oportunidade, e eu valorizo muito isso. Fiquei muito decepcionado quando voltei e, por causa do João Paulo de Jesus Lopes, que era o diretor da época, não me ter deixado ficar lá. Coração aberto, a intenção não era nem jogar no São Paulo naquele ano. A intenção era simplesmente me cuidar fisicamente, porque queria ainda dar mais uma esticada fora do país. Com 12 anos, fui morar na concentração do São Paulo. E aí, anos depois, o cara vem e fala assim: “não pode ficar aqui”, com o retorno financeiro que dei ao clube. Ficou mais aflorado quando vi meu pai e minha mãe chorando por causa da parada. Ligo para o meu advogado por alguma coisa, ele falou assim: “você não quer treinar no Palmeiras?” Eu falei: “treinar no Palmeiras? Você tá louco? E a minha história com o São Paulo, não tem como, não”. Aí ele virou pra mim e falou assim: “você tá pensando no São Paulo? Olha o que os caras acabaram de fazer com você”.
– Eu cheguei no Palmeiras uma semana depois, me receberam e parecia que tinha jogado lá a vida toda, portão abriu, escancarado, entrei no vestiário, armário, vaga do carro. Eu só queria treinar em horário alternativo, não queria causar desconforto. Os caras disseram: “você vai treinar com todo mundo, é um prazer ter um campeão do mundo aqui”. Não preciso falar mais nada. Como é que você pode torcer para dois? Tenho uma gratidão enorme pelo São Paulo, que fez tudo por mim, mas eu também devolvi. E o Palmeiras que, no pior momento da minha carreira, me deu o que eu não tinha. Joguei um ano, mas parece que joguei dez. Saio na rua hoje, parece que ganhei 15 títulos com o Palmeiras. Ganhei só o Paulista. Vou ser o ingrato, falar que não gosto, que não torço para o Palmeiras? Aqui não. E vou ser ingrato com o São Paulo, também? Se tem uma coisa que não sou é ingrato.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Papelzinho na mesa, timbrado do São Paulo e do Palmeiras. Tudo igualzinho. Você assinaria qual?
– Hoje? Se tivesse uma oportunidade de voltar a jogar futebol, hoje o Palmeiras, que está certinho. Vou correr errado? Não, o treinador quase caindo (no São Paulo), a batata assando. Eu vou para onde está estável. O Abel pegando no meu pé para caramba, mas estou jogando, lutando lá em cima, título. Hoje, com discernimento, botaria na balança. Eu vou para a turbulência? Nunca! Vou aqui que está o ritmo de música. Se você chegar num clube como São Paulo hoje, igual o Oscar chegou, para resolver com 40 anos… Você é louco? Correr na subida de costas, o torcedor não quer saber que é o ídolo que deu certo lá atrás. É pau dentro, filho. Os caras cobram igual… Prefiro chegar num Palmeiras que está estável. Não estou bem fisicamente, apesar que acho que uns 15 minutos aguento (risos). Mas hoje por hoje, assinaria com Palmeiras.
O Flamengo foi a grande decepção da sua carreira?
– Foi, porque hoje, com todo o discernimento que tenho, vacilei demais. O Flamengo, óbvio que tinha todos os problemas de estrutura, direção, mas o meu papel era ter representado. Depois a gente vai ver o que vai acontecer. Mas hoje entendo que sempre fui uma marca e nesse curto período de Flamengo não valorizei a minha marca, não valorizei o Denilson atleta. Eu joguei, transferi a minha responsabilidade para uma questão burocrática, para uma falta de responsabilidade de uma diretoria, terceirizei.
– Eu tinha feito um contrato de dois anos e fiquei seis meses. Se nesses seis meses eu me dedico, jogo… Hoje o torcedor flamenguista me olharia de uma forma diferente, igual o torcedor do Palmeiras me olha. Fui para o Palmeiras ganhando um salário normalzinho, normalzinho. E, se não me engano, fui o primeiro a fazer um contrato de produtividade, só que já tinha mais discernimento da minha carreira, me dediquei 100%. No Flamengo não me dediquei. O clube não tem culpa de nada, a culpa desse período de não ter dado certo é toda minha.
E o que foi fazer no Itumbiara?
– Baguncei esse jogo aí (estreia de Ronaldo pelo Corinthians). O Cristian nem me viu. O Willian Capita, esquece. Pode botar a imagem, baguncei. O Itumbiara foi uma oportunidade que me arrependo também. Vou contar uma história que acho que não contei. A minha mulher, quando terminei o meu contrato em 2008, o Palmeiras não tinha me chamado para renovar ainda. Uma vez, minha mulher chegou em casa comigo e falei: “pô, foda, o Palmeiras não falou nada ainda, não vou falar”. Minha mulher virou para mim disse: “fala com eles que você quer ficar mais um ano, renova mais um ano”. Na minha carreira toda sempre os caras me chamaram para renovar. Eu nunca bati na porta e falei que quero ficar.
– Poderia ter descido um pouco do salto, baixado a vaidade de atleta e ter falado com os caras, com o Vanderlei (Luxemburgo). Puta de um time, estrutura, eu já com uma limitação no joelho. E aí não acontecia a renovação, vem uma proposta do Itumbiara, que era uma grana considerável para fazer o Goianão. Vou e me machuco com, sei lá, quantos jogos. Aquele jogo acho que foi o único mesmo que joguei. E joguei bem, porque o Ronaldo ainda perguntou: “está fazendo o que aqui, pô?”.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Acabou o drible no futebol?
– É uma pena. A questão tática está muito mais aflorada do que na minha época. É óbvio que você precisa ter uma organização para se defender, mas na hora de atacar, deixa ser mais natural, deixa esse 8 passar pela ponta, pelo lado, um negócio mais livre. Eu acho que está muito robotizado. O Guardiola tem influência nisso, o Diniz aqui no Brasil tem influência nisso. Acho que está faltando irreverência. Quando eu recebia a bola do meia ou do lateral, a primeira coisa que pensava era girar, partir para cima do lateral. Cadê a criatividade, a irreverência, os caras que vão pra cima? Acho que existe uma preocupação muito grande com a questão tática do que deixar os jogadores agirem mais naturalmente dentro do campo.
A gente está vivendo o pior momento tecnicamente da Seleção?
– Acostumamos mal. Você vê o Brasil agora, que não chega, o torcedor fica desesperado. Eu jamais teria tirado o Tite do cargo, mas ele pediu para sair. Tenta convencê-lo de ficar. Saiu porque existia uma pressão muito grande para a saída dele. Mas, se a gente olhar friamente o Tite na Seleção, é um puta de um trabalho, como foi o do Dunga. Mas vamos falar do Tite. Foi um ótimo trabalho em todos os sentidos, porque tinha amigos que trabalhavam na comissão e os caras faziam um trabalho de monitoramento, de cuidado. Se fosse o Tite na próxima, eu me arrisco a dizer que a gente venceria ou chegaria na final, porque vencer é uma outra consequência, mas chegaria.
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
– Os protagonistas são os jogadores, exclusivamente eles que podem mudar a história. Esquece, pode falar o que for, se a gestão é boa, se a gestão é ruim, se é transparente, se não é… Se os caras não estiverem com confiança, conectados, não vamos ganhar. Historicamente a gestão CBF sempre foi questionada, só que os jogadores batiam no peito, é com a gente. Deixa o pau torar lá, vamos fazer o nosso papel aqui. Acho que é isso que está faltando. Politicamente a gente está com sérios problemas, mas, se os jogadores não se fecharem, esquece.
O que pode falar sobre o Neymar?
– O Neymar nunca disputou uma Copa do Mundo 100%. Tomara que na próxima, que deve ser a última dele, que dispute 100%. Ele sabe que vai fazer uma parada e ele vai para o Carnaval com o pé machucado, sabe que ele vai receber uma crítica. Ela pode ser maior ou menor, mas vai receber uma crítica. Quando o campo fala, está tudo bem ir a algum lugar. O problema é você ir a algum lugar quando o campo não está falando. Acho que é esse equilíbrio que ele precisa ter.
O Vampeta brinca que torce contra o hexa para não ser esquecido. Você torce também?
– Estamos em 2025. Até a Copa de 2014 dava para torcer contra, estava muito recente. Agora pode ganhar, a gente zoava o seguinte: 1994, 1998 e 2002, tudo muito próximo. Deixa dar um tempo para curtir um pouco. Se os caras ganham em 2006, acabou o penta. Deixa a gente curtir, e em 2010 já começa a torcer de novo. Agora está liberado, podem ganhar (risos).
Denílson em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli
Fonte: netfla.com.br