Menos de um mês após ser homologado vencedor no processo de licitação do Maracanã e ganhar a concessão do estádio por 20 anos ao lado do Fluminense, o Flamengo deu um grande passo na construção da sua casa própria e espera fincar a pedra fundamental no terreno do antigo Gasômetro em outubro deste ano. Movimentação que gera dúvidas sobre o futuro de um dos maiores templos do futebol e traz perguntas à tona: é um bom ou mau negócio gerir o Maracanã? Qual o futuro de um estádio histórico, um dos símbolo de uma cidade e de um país?
Um dos principais desafios da concessão pública do estádio tem sido torná-lo economicamente sustentável diante de diversas limitações comerciais e contrapartidas ao estado. A outorga a ser paga anualmente pelos dois clubes gira em torno dos R$20 milhões — pelo contrato ainda a ser assinado, o rubro-negro ficará com 65% das receitas e despesas, e o tricolor com 35%, exceto a renda dos jogos que ficará em sua totalidade como mandante da partida.
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Ambos também terão que desembolsar quase R$400 milhões no total em obras de reparo, recuperação dos dois equipamentos (Maracanã e Maracanãzinho) e na construção de um novo museu do estádio.
Custo alto
Hoje, o custo operacional de um jogo abocanha até 60% da receita de bilheteria. Além dos impostos, pagamentos de toda a operação, há despesas obrigatórias com associações e entidades que levam parte da renda. Sem contar as regalias do estado, que detém sete camarotes, com bufê liberado e pago pelos concessionários em todos os jogos; 90 assentos no setor Oeste Inferior e vagas no estacionamento. Há ainda os assentos da Tribuna de Honra e as quase cinco mil cadeiras cativas cujos donos mantiveram o direito de usufruí-las na Justiça.
Por questões estruturais, o Maracanã tem um alto custo de operação, pois todo o estádio é aberto para os jogos independentemente do número de espectadores. Apesar de constar com capacidade para quase 79 mil pessoas, o público total em jogos de clubes raramente chega a 65 mil. Por segurança e por não poder isolar a torcida visitante em um setor menor, mais de cinco mil de assentos ficam indisponíveis. O impeditivo é a falta de oferta de banheiros para todos os gêneros e bares em uma única área.
Em termos de comparação de receita, em cinco jogos como mandante no Brasileiro, o Flamengo embolsou R$ 4,7 milhões da bilheteria — em 2023, o clube arrecadou R$123 milhões em bilheteria. Já o Fluminense teve prejuízo nos últimos jogos, com exceção do clássico com o rubro-negro.
O Palmeiras, por exemplo, em uma arena com capacidade bem menor teve ganho de R$7,5 milhões em quatro partidas do Brasileiro até o momento. Em média, o lucro tem sido de mais de 60% da receita total.
Outro ponto do atual modelo de concessão é a falta de autonomia absoluta para o uso do Maracanã. Por se tratar de um patrimônio público, a atividade fim (o futebol) tem que ter prioridade e o estádio está aberto a todos. Recentemente, o Vasco conseguiu na Justiça o direito de mandar jogos lá, por exemplo. Situações que inviabilizam a montagem de um calendário de partidas e eventos culturais e de entretenimentos de forma equilibrada.
Além do futebol
Inclusive, a dupla Fla-Flu conseguiu a vitória com certa facilidade justamente por ter sido a única a ter pontuação máxima no critério de número de jogos. O edital previa mais pontos para quem comprovasse o mando de pelo menos 70 partidas ao ano no estádio. Os outros concorrentes não conseguiram atingir tal meta.
Na opinião de especialistas, o uso de estádios prontos pode até ser mais vantajoso aos clubes, mas é necessário saber monetizar tudo o que for possível.
— O Mineirão é um grande exemplo de arena com potencial gigante de entretenimento, bem localizado, uma estrutura realmente multiuso com dezenas de possibilidades. Para os clubes, usar equipamentos existentes é vantajoso, pois gerir uma arena não é fácil e muito menos barato, depende não apenas de uma equipe altamente profissional, e sim, de um grupo de empresas junto ao estádio que consiga criar várias formas de monetização e principalmente conectar com todo o possível mercado comprador — diz Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo.
Logo, não é apenas o futebol que faz um estádio ser rentável atualmente. Uma das principais receitas das grandes arenas em todo o mundo tem sido como espaço de shows e festivais — vide o Estádio Nilton Santos, gerido pelo Botafogo também por concessão, mas via prefeitura do Rio.
Não é por ser público ou privado que o Maracanã será rentável, acredita uma fonte com experiência na gestão do equipamento ouvida pela reportagem. Para ela, o modelo de concessão do principal estádio carioca é que dificulta o equilíbrio entre esporte e exploração do entretenimento.
No primeiro edital, à época da reforma para a Copa de 2014, havia a previsão de estacionamento e centro comercial. No entanto, depois de uma pressão popular já esperada dada a tradição do estádio, foram canceladas as demolições da escola, do estádio de atletismo e de esportes aquáticos do complexo que dariam lugar ao “shopping” do entorno. Hoje, além dos jogos, o Maracanã tem a receita recorrente com as visitações turísticas.
Com mais de 70 partidas previstas ao longo da temporada e mais seis datas que ficam à disposição do governo do estado — que precisa solicitá-las com seis meses de antecedência — sobra pouca margem de manobra para servir de palco a eventos que podem movimentar muito mais dinheiro do que uma partida de futebol. Grandes shows alavancam os valores de toda a cadeia produtiva envolvida, como camarotes, áreas de hospitalidade, publicidade, bares e alimentação.
Fonte: netfla.com.br