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Pequenos épicos cotidianos


O futebol pode ser trágico, pode ser cômico. Pode ser triste, alegre, incrível, inesperado. Pode ser um filme ruim com final feliz numa quarta-feira. Pode ser um pequeno épico na terça. Pode ser estranhamente entediante — e de repente assustador. Terrivelmente angustiante — e intenso e redentor.

Foram dois jogos separados por 24 horas com resultados idênticos e sensações incrivelmente distintas. O Botafogo venceu La U por 1 a 0, jogando com um a menos, e sua torcida terminou o jogo entre eufórica e realizada. O Flamengo derrotou o Tachira, também por 1 a 0, e a arquibancada no fim era um misto de alívio e decepção. Os dois times se classificaram para as oitavas da Libertadores. Como podem resultados iguais trazer sentimentos tão diferentes?

Tem a ver, claro, com expectativa. O Flamengo começou o ano rugindo como tigre — ganhando tudo e jogando muito. E de repente, na competição mais importante… miou, patinou e se classificou no limite – quase levando um gol de um time ofensivamente muito incapaz. Os desfalques explicam parte da história – em especial… o desfalque do chileno Erick Pulgar. Pulgar é o volante moderno — destrói e constrói — sabe ampliar e reduzir espaços como poucos. Sem ele… Filipe Luís teve que recuar Gerson —e perdeu na frente e no meio.

Mas ninguém previa tanto drama. O time demorou a furar o bloqueio do modesto time venezuelano — e ainda sofreu com uma pressão nos minutos finais. No último lance, em momento de incrível potencial cardíaco, Rossi salvou com o pé — e quase pudemos ouvir o sopro coletivo de alívio. O goleiro deixou o campo como o ator que se salva num filme pavoroso. O Flamengo viveu para ver o dia seguinte – mas foi um jogo daqueles que a torcida prefere esquecer.

O Botafogo começou o ano de ressaca. Na Libertadores… precisava ganhar em casa para evitar a eliminação. Ganhou… suando. A precoce expulsão de Jair transformou a vitória sobre um time médio num triunfo narrativo. Igor Jesus teve atuação de almanaque. Savarino jogou muito. Barboza e Gregore, jogadores que fazem o coração do time bater, foram impecáveis.

Esses atletas, ao lado de outros como Alex Telles, Vitinho e obviamente Marlon Freitas, são símbolos de uma transformação. O que antes era fragilidade virou couraça. Esse Botafogo virou um time que odeia perder. No fim da partida, a torcida extasiada não queria ir embora. Eram 36 mil almas apreciando uma pequena epopeia — revivendo Buenos Aires como citação, se sentindo ao lado dos seus 300 de Esparta — dez sujeitos de preto e branco nas Termópilas do Engenho de Dentro.

Era quase palpável a mudança cultural forjada nas agruras de 2023 e 2024. Comenta-se que a SAF alvinegra vai ter que abrir mão de alguns jogadores em breve — como os citados Gregore, Savarino, Igor Jesus. Isso pode arranhar essa identidade — até porque alma não se compra em supermercado.

E aí vemos a diferença entre os modelos de negócio — de Flamengo e Botafogo. O rubro-negro deve se reforçar. O alvinegro, no fluxo de negócios de John Textor, é uma reinvenção constante. Antes disso, porém, ambos se unirão a Palmeiras e Fluminense para suspirar diante do Mundial de Clubes — essa espécie de Nárnia no meio do calendário — com seres e times de outra dimensão.

Fonte: O Globo

Fonte: netfla.com.br