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Antônio Felipe Gonzaga, o Feijão, carrega uma história que retrata muito bem a vida do jovem periférico brasileiro. O convívio com o trabalho desde a infância para ajudar em casa dividiu as atenções dele, que, além de estudar, carregava um sonho comum ao de muitos garotos: se tornar jogador de futebol e mudar a vida da família.

Apesar de todas as dificuldades, Feijão conseguiu ir longe. Ele virou xodó do Bahia, seu clube do coração, fez gols históricos, jogou fora do Brasil e foi apresentado, em janeiro de 2014, em um dos maiores clubes do país ao lado de Elano, jogador que ele tem como ídolo. Em entrevista ao ge, o volante relembrou aquele dia marcante.

– Foi um momento único na minha carreira. Eu já tinha até jogado com Kléberson, que foi pentacampeão do mundo. Mas ser apresentado com Elano, jogador de Copa do Mundo, de sucesso internacional, foi muito bom. Aprendi muito e marcou a minha carreira. Quando meu filho crescer mais vou contar essa história para ele. Não é para qualquer um.

Elano e Feijão apresentação Flamengo — Foto: Pedro Kirilos/Agência O Globo

Depois de um início promissor no Bahia, Feijão chegou ao Flamengo em uma troca por empréstimo. O Rubro-Negro levou Feijão, e o Tricolor baiano ficou com o atacante Rafinha. O valor da negociação foi de R$ 16,3 milhões, grana que o jovem nunca tinha visto na vida.

– A primeira coisa foi ajudar minha mãe, dei uma casa para ela. Juntei o dinheiro também porque a carreira de jogador é curta, tem que investir certo para não terminar igual acontece com muitos atletas por aí. Dei uma casa para ela e melhorei a vida da família. Hoje tenho um irmão que é professor de educação física e tem uma vida boa. Quem fizer os melhores investimentos nessa carreira de futebol terá um futuro mais tranquilo. Penso muito nos meus filhos também.

Feijão na passagem pelo Flamengo — Foto: Janir Junior

A passagem de Feijão pelo Rubro-Negro carioca, porém, foi mais rápida do que muitos imaginavam. Com apenas seis jogos, dentre eles um de Libertadores, contra o Emelec, o volante não teve nem tempo de mostrar todo o seu futebol. Foram apenas três jogos como titular. Coincidência ou não, em todos os confrontos que Feijão entrou, o Flamengo saiu com resultado positivo.

Feijão foi campeão carioca pelo Flamengo em 2014 — Foto: Reprodução / Redes Sociais

Hoje, o atleta reconhece que a falta de maturidade e tomadas de decisões equivocadas foram determinantes para a sua saída precoce do Fla.

“Eu queria jogar e mostrar meu trabalho. Por ser jovem você acaba fazendo coisas erradas na vida. Antes de terminar minha temporada eu tive que voltar para Salvador por questão familiar. Minha ex-esposa estava grávida do meu filho Isack. Muitas coisas na vida eu me arrependo”.

– Em vez de terminar minha temporada no Flamengo, em julho eu já estava voltando para o Bahia. Eu me arrependo por isso. Mas Deus sabe o que faz, vida que segue. Sou muito grato ao Flamengo pela oportunidade de ter vestido aquela camisa grandiosa e atuar ao lado de grandes nomes como Elano, Léo Moura, Felipe, Chicão, entre outros atletas de nome. Foi muito gratificante para mim.

Jogos de Feijão pelo Flamengo:

Muralha e Feijão em treino do Flamengo — Foto: Márcio Mercante/Agência Estado

Com exceção do Campeonato Carioca, o Flamengo teve uma série de fracassos em 2014. O clube foi eliminado na fase de grupos da Libertadores, caiu nas semifinais da Copa do Brasil ao ser goleado pelo Atlético-MG e ficou na 10ª posição do Brasileirão.

Para Feijão, o fraco desempenho tem relação com as constantes trocas no comando técnico do Rubro-Negro.

– Acho que foram as trocas de treinador. Começou com Jayme [de Almeida], depois veio Ney Franco, em seguida o Luxemburgo… Teve muitas brigas internas com outros atletas. Então foi um ambiente bem complicado, e foram três trocas de treinador só no Campeonato Brasileiro, o que desembocou na nossa má campanha. Só conseguimos ganhar o Campeonato Carioca naquele ano. Foi frustrante para todo mundo.

Mas, antes de chegar ao Rio de Janeiro, o caminho de Feijão não foi nada fácil. Morador da Brasilgás, bairro pobre de Salvador, ele e dona Altamira, sua mãe, precisaram ralar muito. Venderam doce, água e cerveja nos pontos de ônibus para sobreviver e custear os treinos nas categorias de base do Bahia, seu time do coração.

– Não dava para dar conta. Tinha que focar no meu sonho. Eu ajudava sempre em casa, minha mãe trabalhava no ponto de ônibus, e eu apoiava quando dava. Hoje, graças ao futebol, consegui tirá-la de lá. Mas não dava para trabalhar, meu foco foi mesmo o futebol. Agradeço ao futebol por todas as minhas conquistas e toda a minha família.

Pais e irmãos de Feijão (Arroz e Macarrão) reunidos na humilde residência no bairro da Brasilgás — Foto: Eric Luis Carvalho

Além disso, ele também teve que superar um trauma da infância no caminho, que o fortaleceria ainda mais na jornada até vestir a camisa do Tricolor e ganhar o apelido de Feijão, pelo qual ficou conhecido no mundo do futebol.

Antônio era capaz até de fugir dos pais para sentir a alegria de estar em um campo de futebol. Um verdadeiro fominha. Mas, o que era para ser mais um dia de diversão ao lado de um colega, virou um drama para o menino, que viu o parceiro de time ser alvejado e cair morto aos seus pés depois de um dia de jogatina. Até hoje esse assunto é delicado para Feijão, mas ele garante que ganhou forças e recebeu ainda mais apoio da família pelo seu objetivo maior.

– Até hoje eu não esqueço. Foi muito difícil, era um colega meu. Não sei por que ele foi alvejado e nem quero saber. O momento foi muito complicado, difícil presenciar isso. Mas minha mãe e minha família me deram muita força para continuar no meu foco para virar jogador, e hoje ele está lá no céu sorrindo por mim.

– Sempre jogávamos bola juntos desde criança, lá no campo da Brasilgás. Era uma diversão nossa lá no bairro. Mas vida que segue, já foi.

Feijão é Bahia desde a infância — Foto: Eric Luis Carvalho

Torcedor fanático do Bahia, aos cinco anos Feijão viu primeiro a oportunidade de jogar na escolinha do Vitória. Mas como um fiel seguidor do seu time do coração, ele recusou a proposta e mostrou que, de fato, estava predestinado a vestir a camisa azul, vermelha e branca.

– No Vitória eu não vou. Eu quero jogar no Bahia. É o Bahia que eu vou ajudar a ganhar títulos”, disse ao pai à época.

Aos nove anos ele foi descoberto por um olheiro, que o levou para as categorias de base do Bahia. Ele se formou no Tricolor e chamou atenção em 2013, na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Naquela edição, chegou a marcar o gol que eliminou o Corinthians na segunda fase e foi peça importante na campanha histórica da equipe até as semifinais.

Feijão em ação pelo Bahia — Foto: Felipe Oliveira/Divulgação/EC Bahia

A joia foi lapidada logo após o término da Copinha para brilhar no profissional do Tricolor. A estreia de Feijão foi no dia 24 de março de 2013, contra o Juazeirense, pelo Campeonato Baiano. O técnico Jorginho colocou o volante de 18 anos por apenas um minuto, mas já foi um momento especial para toda a família e para a comunidade da Brasilgás.