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Quem vê o triunfante fim de trajetória de Rodinei no
Flamengo
sabe de cor e salteado como o outrora criticado lateral se transformou em xodó. As grandes atuações na fases agudas de Copa da Brasil e Libertadores e o apoio irrestrito de David Luiz compõem o cenário. Mas a construção da história vencedora do paulista de Tatuí, agora campeão europeu com o Olympiacos, não tem apenas ingredientes de luxo, como o aconselhamento de um jogador de Copa do Mundo e grandes taças. O atleta de 32 anos lembra que nas primeiras dificuldades em vermelho e preto foram as dicas do roupeiro Moisés, até hoje funcionário do Rubro-Negro, que o fizeram abrir sua cabeça para evoluir.


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Na última das muitas perguntas de uma entrevista que durou 50 minutos, Rodinei foi questionado sobre um troféu de plástico que ganhou de presente ainda em março de 2016, seu terceiro mês de

Flamengo

. Quando esteve em Aracaju para enfrentar o Confiança, pela primeira fase da Copa do Brasil, recebeu um troféu de plástico com os seguintes dizeres:


“Raça e simplicidade a serviço do Mengão”.

Rodinei recebeu um troféu de plástico em seu terceiro mês de Flamengo — Foto: Fred Gomes

A palavra

“simplicidade”

trouxe à mente de Rodinei o ensinamento de Moisés, figura simples e querida por todos no Ninho do Urubu até os dias de hoje.

– Essa plaquinha diz tudo. Só de ter falado aqui da simplicidade para mim já vale muito, ter ganhado isso de um torcedor em apenas três meses de

Flamengo

e já receber esse carinho. Então, com certeza, a história já estava sendo feita. É como o roupeiro do

Flamengo

, o Moisés, sempre dizia para mim nos momentos em que eu estava mal nos momentos e em que eu estava triste. Parece que essas pessoas estão ali apagadas, mas às vezes elas vêm com umas palavrinhas que mudam o dia da gente.

– Sempre que eu chegava lá, ele falava – até me arrepio de lembrar essa história que eu nunca contei -: “É, Rodi, mais um dia, pega teu caderninho que está em branco e vamos devagarzinho escrevendo a história”. Então essa frase parece que me fortalecia de uma forma que é como dizer: “Quando as coisas estão dando errado, vai lá anota tudo no caderninho em branco e começa a escrever”.

Rodinei, com camisa antirracismo, em entrevista de 50 minutos ao ge e à TV Globo — Foto: Fred Gomes

Rodinei lembra que a história no

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quase deixou de ser escrita a partir de 2021, quando a permanência no Internacional era quase que uma certeza. A transferência não se concretizou, o jogador voltou para o Ninho do Urubu e antes de se tornar o “avión”, apelido que ganhou de Vidal, teve de driblar um outro meio de transporte que não é nada glamouroso na linguagem da bola: a temida barca.

– E a história foi sendo feita, ainda fui embora em 2020 para o Inter (por empréstimo). Fiz uma temporada que parecia que eu iria permanecer no Inter e não voltaria, mas volto ao

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em 2021 e ainda aguento ali mais um ano difícil em que nós perdemos a Libertadores, e eu sem jogar.

– Começa 2022 com a perspectiva: Rodinei está na barca, aquela famosa barca (risos). Porque quando chega a barca no Mengão, eu sei bem como é ali dentro. A barca do Mengão, e os guerreiros começam a ficar como? “Ixi, eu estou nessa barca, vai dar ruim” E eu, graças a Deus, passei por todas as barcas ao longo desses sete anos e saí honrado. Então é essa história que fica, é muito gratificante relembrar essas coisas. Por isso que eu tenho tudo guardadinho aqui com muito carinho e agora é só continuar desfrutando – orgulha-se.

O troféu de plástico recebido em março de 2016 multiplicou-se em taças continentais, nacionais e estaduais. O hoje maduro lateral de 32 anos desfruta, como ele adora dizer, de uma temporada especial na Europa, onde sempre sonhou estar. Mas nunca sem tirar os pés no chão.

Se hoje os canecos têm os nomes de Libertadores, Brasileiro e Conference League, o da “Simplicidade”, conquistado em Sergipe, não foi esquecido.

Dessa forma, constou na lista de 55 nomes de Tite para a Copa do Mundo de 2022 e continua como um dos atletas no radar da comissão técnica da seleção brasileira, hoje dirigida por Dorival Júnior, treinador que o alçou ao protagonismo no

Flamengo

.

– É uma temporada (2023/2024) que não tem muita coisa para falar, foi muito especial para mim. Fizemos história na Grécia, agora é descansar um pouco, curtir com a família e os amigos para voltar na mesma pegada. Para mim, é muito importante. Já venho de duas temporadas no Olympiacos e saí na minha melhor temporada da carreira, que foi em 2022 pelo

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. É bom para o jogador sempre manter o alto nível. Essa temporada foi muito especial, estou muito feliz de defender a camisa do Olympiacos e espero que eu continue fazendo grandes temporadas por muito tempo ainda.

Rodinei e capitão Kostas Fortounis levantam a taça da Liga Conferência para o Olympiacos — Foto: Bernadett Szabo/Reuters

Apesar de curtir o grande momento em solo europeu, Rodinei lembra que há cerca de três anos, às portas de completar 30, o sonho de atuar no Velho Continente não passava mais pela cabeça. Hoje, a sensação é de que toda a resiliência demonstrada nos últimos anos de Brasil renderam frutos.

– Eu olho com aquela sensação de que valeu a pena. Há um tempo eu estava desanimando, pensando que a minha chance de jogar na Europa nunca mais ia acontecer. Quando apareceu essa proposta do Olympiacos, eu não pensei duas vezes em ir embora para a Europa. Eu já sabia que estava preparado para viver esse momento. Preparado 100% acho que a gente nunca está, mas eu já fui bem focado, preparado, e por isso que os resultados estão aí e as coisas têm dado certo na minha vida.


Confira na íntegra o papo com Rodinei, campeão da Europa Conference League, dividido em três partes: Europa,


Flamengo


e Racismo.


Como foi o processo de adaptação para se tornar campeão na Europa?

– Já era um sonho que eu tinha há muito tempo, mas esse sonho tinha apagado da minha memória, da minha prateleira dos sonhos, Já estava bem desanimado, achando que nunca iria acontecer de eu jogar na Europa. Então me preparei muito antes. No ano mesmo de 2022 eu já estava me preparando, já estava mais focado e ativando esse sonho na minha mente. E eu falei “ainda dá para eu jogar na Europa, ainda vou realizar esse sonho”. E, graças a Deus, aconteceu. Então eu já cheguei lá bem preparado, eu sei que a adaptação no começo não foi fácil, por causa principalmente do frio. E é outra língua. Eu não falava inglês, no espanhol todos sabem que eu falava aquele portunhol que eu aprendi com meus companheiros ao longo desses anos no

Flamengo

, mas minha adaptação foi bem rápida.

– Me receberam lá na Grécia super bem, o povo grego tem aquela energia do brasileiro, é um povo carinhoso, que abraça. Eles amam brasileiros lá, então eu me senti em casa com o carinho deles muito grande por mim, então isso foi fez com que a minha adaptação fosse rápida e eu conseguisse demonstrar meu melhor futebol lá na Europa, principalmente dentro do clube no Olympiacos. Então eu estou muito feliz com esse momento.

Conference League, à esquerda da Copa do Brasil, virou tatuagem na perna esquerda de Rodinei — Foto: Fred Gomes


Mas tem alguma história engraçada da sua adaptação à Grécia e especialmente ao idioma?

– Quando cheguei na Grécia, dei graças a Deus por eles terem uma comissão espanhola, porque eu já consigo falar muito bem espanhol, mas inglês e grego eu não conseguia nada, cara. Eles falavam comigo dentro de campo, e eu ficava igual a uma barata tonta rodando. Eles falavam

“rest”

para eu descansar, e eu corria. Aí eu fazia tudo ao contrário. Eles falavam

“tomorrow”

, eu pensava que era hoje, que era o

“today”

. Eu não sabia nada e aí também é como eu disse: tudo vai da energia, o importante é você passar as mensagens para as pessoas. E eu hoje pelo menos eu consigo passar a mensagem, por mais que eles não me entendam. Mas tudo bem, eu consigo passar a mensagem. O importante é vir do coração e conseguir passar a mensagem para eles. Às vezes é um sorriso no rosto, às vezes é um olhar, principalmente no jogo a gente se conecta. Eu presto muita atenção nas coisas, estou sempre estudando e já consigo hoje falar que eu estou adaptado na Grécia


Apesar de não ser uma liga top-5 da Europa, o futebol grego não pode ser considerado fácil. James Rodriguez e Marcelo, por exemplo, não aconteceram lá. É injusto falar que a Grécia é uma porta mais fácil para se entrar no continente?

– Como você disse, não está entre os top-5 da das melhores ligas, mas é futebol europeu. E futebol europeu todo mundo sabe da qualidade, é um futebol muito difícil, futebol organizado. Na Grécia há muitos jogadores que já passaram por grandes clubes da Europa, tanto que o Marcelo, que jogou não sei quantas temporadas no Real Madrid e tudo que ele ganhou, passou pelo Olympiacos. James Rodriguez é outro exemplo. Então não é uma liga assim tão fácil de jogar. Não está entre as top-5, mas o Olympiacos está sempre jogando Champions League, está sempre jogando Europa League e a própria Conference, que a

Fonte: netfla.com.br